sábado, 19 de fevereiro de 2011

Estado de Espirito


"Diariamente recordo o Caminho, não só por ser cristão, nem só por ser caminhante, por ser amante da natureza, por gostar de deambular por montes e vales, por cultivar a poesia, de ouvir o vento soprar nas folhas mais altas dos carvalhos, por amar ver o céu e a terra renascer em cada dia,.. Caminho é assumir ser o que gosto partilhar.. "Ser eterno Peregrino"... (in Diário do Peregrino de Santiago, fb)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O livro da minha vida…

Emoções inesquecíveis, prazeres renovados.
Há livros que são meus amigos desde a infância. São textos que li e reli e que me têm acompanhado ao longo da vida. Às vezes, esqueço-me deles mas, mais tarde ou mais cedo, a eles volto para os redescobrir. Com a maturidade vem o desafio intelectual, vêm as interpretações, e, no meu caso, obrigou-me a áreas mais técnicas. Mas fica sempre algo da primeira paixão, que o tempo se encarrega de enriquecer com novas descobertas, novas interpelações e, com elas, novos prazeres da leitura. Na recordação destes livros, e dos diferentes momentos em que fui ao seu encontro e que com eles me envolvi, manifesta-se também o meu próprio caminho.
Quero falar sobre esta paixão da leitura, folheando, mais uma vez, as páginas dos livros da minha vida. Quero partilhar os meus livros e a minha experiência com quem se interessar.
Escolher o “livro da minha vida” não é uma tarefa fácil. Imagino que o não seja para qualquer pessoa que como eu, goste de ler. A verdade é que as pessoas, há semelhança dos gatos, têm muitas vidas (ou se preferirmos, em cada um de nós há mais do que uma pessoa) e para cada uma delas haverá certamente um livro. Por esse motivo, quando recebi a proposta de escrever um texto sobre o “livro da minha vida”, foram vários os títulos que me foram surgindo mas nenhum me parecia o adequado: O Nome da Rosa, As palavras que nunca te direi, Expiação, Queimada Viva, Anjos e Demónios, a Escola da Vida, …
Inicialmente, pensei em optar por “As palavras que nunca te direi”, de Nicholas Sparks. Este foi talvez o livro que mais me marcou. Primeiro porque foi dos primeiros romances que li; Depois porque este livro é sem dúvida o ex-libris daqueles que se auto-intitulem de românticos - apesar de na minha opinião, a história ser um pouco fantástica demais. Este livro aborda um tema muito sensível, a redescoberta do amor, o voltar a amar depois de se perder o amor de uma vida, depois de pensar que se deixou de viver e que já nada faz sentido. Theresa Osborne é divorciada e tem um filho; vivia um casamento na sua opinião perfeito, até descobrir que o marido a traia. Passados 3 anos vê-se envolvida numa história que a vai levar numa viagem, envolvendo-a como ela nunca imaginou. Tudo começa, num dia em que Theresa passeava à beira-mar e descobre uma garrafa fechada que continha lá dentro uma folha de papel. Curiosa, como não podia deixar de ser, Theresa abre a garrafa e encontra uma lindíssima mensagem de amor, uma carta de alguém muito apaixonado, que encontrou esta forma de contar ao mundo a dimensão do seu amor. A carta, de alguém chamado Garret, tem como destinatário Catherine, sendo esta a única informação de que Theresa dispõe. Sensibilizada pela ternura das palavras e por tal demonstração de amor na sua forma mais pura, Theresa, que é jornalista, decide investigar para tentar descobrir algo mais sobre o autor da carta, Garret, intrigada à partida pela pessoa que este Garret será para fazer tal demonstração de amor. Theresa, aproveita o facto de ser jornalista e publica a carta, sem mencionar nomes. Qual não é o seu espanto quando descobre mais duas cartas que foram descobertas, em sítios diferentes. Tudo isto faz com que o seu desejo de encontrar o misterioso escritor, se torne em algo bastante forte, e que não irá desaparecer enquanto ela não descobrir quem ele é. Finalmente, o escritor é associado a um nome, Garrett Blake, um professor de mergulho que mora no estado da Carolina do Norte, numa pequena localidade piscatória. Completamente fascinada por este homem, Theresa viaja até a Carolina do Norte, num impulso quase que apaixonado, com a finalidade de o encontrar e, apenas isso, ver o homem por detrás das cartas, sem mais planos. Mas é claro que a história não poderia ser tão simples assim, quando à partida Theresa já nutre sentimentos tão fortes sem sequer conhecer Garret. Eles conhecem-se, ganham uma amizade que se vai tornar num amor, e eles apaixonam-se. No entanto, Garret não sabe que as suas cartas foram lidas e muito menos que Theresa sabe da sua existência e que as leu. Mas antes que Theresa decida contar-lhe, Garret descobre tudo e a história leva aqui uma reviravolta. Garret sente-se traído e perde toda a confiança que tinha em Theresa. A história não acaba como se imagina, o que dá uma noção de quão fantástica é. É talvez sentimental demais. Afirmo isto apesar de ter gostado do livro. Em minha opinião, está bem escrito, todos os locais e acontecimentos estão muito bem retratados, conseguindo imaginá-los na minha cabeça.
Ainda considerei outra obra, mundialmente conhecida e que criou muita controvérsia. Um livro polémico, sem dúvida, a obra de Dan Brown intitulada O Código Da Vinci. Como muitas pessoas, tomei conhecimento desta obra no verão de 2003. Foi uma oferta da minha esposa. Comecei a ler O Código Da Vinci de uma forma ávida. Foi o livro que li mais rapidamente. Fiquei fascinado. Não conseguia simplesmente largá-lo. O Código Da Vinci é um romance de ideias. A despeito do que se possa dizer sobre alguns diálogos canhestros e inverosimilhanças da intriga, o facto é que Dan Brown soube construir uma história de mistério, acção e aventura combinando eficazmente ideias altamente complexas com pensamentos fragmentários e pequenos detalhes. A nossa cultura está continuadamente à procura de oportunidades para satisfazer a imaginação colectiva com algo mais do que informação intelectual de baixa categoria. Mesmo entre os escritores mais eruditos e intelectuais, são pouquíssimos os que escrevem actualmente romances que lidam com grandes conceitos históricos, filosóficos e cosmológicos. E, no caso destes últimos, a maioria produz romances de difícil compreensão, até para a média dos leitores instruídos e sofisticados. Dan Brown trouxe-nos um fascinante mundo de ideias e conceitos. Abrimos a primeira página do livro, deparamo-nos com Saunière, cambaleando pela Grande Galeria do Louvre às dez e quarenta e seis da noite e somos em seguida arrastados para uma empolgante viagem através da História da civilização ocidental. Em nenhum momento o romance nos obriga a realizar grandes voos mentais, mas deixa palavras-chave a cada página para aqueles que têm intenção de aprofundar a matéria. Tal como Ulysses, de James Joyce, O Código Da Vinci é uma narrativa de acontecimentos que se desenrolam num único período de 24 horas. Como Finnegans Wake, também de James Joyce, termina no mesmo lugar onde começa. É claro que Dan Brown leva muito a sério a forma literária. Talvez jogue com os factos de maneira mais veloz e livre do que alguns gostariam, mas a sua capacidade condensa extensas discussões intelectuais e religiosas em réplicas curtas e de rápida compreensão é, sem dúvida, uma forma de arte. Isso não significa que O Código Da Vinci seja . A corrida para desvendar os segredos do genoma humano, para ir a Marte, para entender o BIG BANG e comprimir a comunicações em bits digitais sem fio – tudo isso, é, de certa forma, a demanda do Santo Graal. Uma espécie de milenarismo atrasado. Quando há poucos anos ocorreu a verdadeira mudança de milénio, muitos observadores surpreenderam-se com a fraca manifestação da febre milenarista. Mas então vieram o 11 de Setembro, os actos apocalípticos de terrorismo, as guerras do Afeganistão e no Iraque, as explosões de violência por todo o Médio Oriente, tudo com a marca do extremismo religioso e a mesma retórica fé versus infiéis do tempo das Cruzadas. O nascimento da nossa nova era começou, finalmente, a ganhar um aspecto mais milenar. ‘O Código Da Vinci’ segue essa mesma linha, indo extrair os principais elementos de sua intriga a mil e dois mil anos atrás – Os primórdios da era cristã e das Cruzadas. Esta obra responde de muitas formas ao novo modo de pensar o papel da mulher na nossa cultura. O Autor resgatou Maria Madalena da sua fama de pecadora, de penitente e de prostituta. No livro, até mesmo a inteligente e sofisticada Sophie Neveu a vê dessa forma até ser esclarecida por outras duas personagens, Langdon e Teabing. Ouso dizer que considero provável que um grande número de pessoas tenha aprendido, ao ler o ‘O Código Da Vinci’ , que Maria Madalena já não é considerada prostituta desde as clarificações oficiais da igreja católica apostólica romana na década de 1960. Contudo, mil e quatrocentos anos de fama de pecadora não é algo que se supere facilmente. E O Código Da Vinci’ levou essa correcção que a igreja fez com toda a descrição para o amplo conhecimento e debate público. E não foi só isso. O Código Da Vinci sustenta que Maria Madalena, muito mais do que «não prostituta», foi uma personalidade forte e independente, autora de um evangelho próprio, mecenas de Jesus e co-fundadora do seu movimento, a única que lhe foi fiel na hora que Ele mais precisou, sua parceira amorosa e mãe do seu filho. Para milhões de mulheres que ainda hoje se sentem menosprezadas, discriminadas ou indesejadas em igrejas de todos os credos, o romance é uma oportunidade de ver a história da religião a uma luz inteiramente nova. Assim como as mulheres vêm descobrindo novas heroínas pioneiras em todos os ramos de actividade ao longo dos últimos trinta anos, O Código Da Vinci abre os olhos de todos para uma visão espantosamente distinta do vigoroso papel da mulher na origem do cristianismo. O livro é uma revelação de como a metade feminina da equação humana foi, quem sabe, deliberadamente suprimida por motivos políticos com a ascensão do poder institucional centralizado da Igreja Católica Apostólica Romana. Os factos apresentados n’ O Código Da Vinci - acontecimentos reais, comprovados – contam uma história que muita gente não conhece. Por exemplo, o sacerdócio não era vedado às mulheres nos primeiros dias da Igreja e o celibato dos padres só se tornou uma regra seis séculos depois de Cristo. Além disso, Maria Madalena não é a única personalidade feminina importante nos Evangelhos tradicionais. Várias mulheres de destaque são nominalmente mencionadas, a maioria das quais permaneceu ignorada mesmo pelos fiéis da época. É claro que a Virgem Maria, mãe de Cristo, tem há muito tempo uma legião de seguidores profundamente dedicados. E tornou-se, nos anos recentes, uma figura ainda mais importante na Igreja – tendência que o Papa João Paulo II incentivou. Mas a nova imagem de Maria Madalena pintada por Dan Brown – poderosa, forte, independente, inteligente, porta-estandarte do cristianismo muito depois da morte de Cristo e, além disso, por que não, sensual, faz dela uma figura mito mais acessível e humana do que a Virgem Maria, altiva e perfeita. A minha conclusão pessoal é que O Código Da Vinci é uma fascinante e bem elaborada obra de ficção, construída, do principio ao fim, com uma interessante pormenores de factos pouco conhecidos e provocações estimulantes, mesmo se consideravelmente especulativas. Compreende-se o seu grande valor quando o lemos como um livro de ideias e metáforas – um caderno de anotações ao estilo de Leonardo da Vinci, que ajuda o leitor a reflectir sobre a sua própria filosofia, a sua cosmologia, as suas crenças religiosas e as suas críticas. O Código Da Vinci é um romance. É entretenimento. É algo para se desfrutar. Parte do seu interesse, pelo menos para mim, reside em seguir as suas ideias e linhas de discussão, em compreender as relações que estabelece. O Código Da Vinci é essencialmente isso.
Apesar das obras atrás mencionadas serem importantes para mim, porém, acabei por optar por outra obra, de alguma forma distinta destas. Mas não quis deixar de as nomear, porque quando falamos de um dos nossos amigos, não ficamos impossibilitados de mencionar os outros.
O “livro da minha vida” que escolhi foi escrito por um Senhor da literatura portuguesa chamado Eça de Queirós e intitula-se

. Considerado o primeiro romance realista da língua portuguesa, O Crime do Padre Amaro revelou o maior romancista português e chocou a sociedade da época com sua denúncia da hipocrisia social e religiosa. Romance anticlerical dos mais ferozes, decorre em Leiria, onde o Padre Amaro Vieira, ingénuo e psicologicamente fraco, vai assumir a sua paróquia. Hospeda-se na casa de S. Joaneira, onde se envolve sexualmente com a filha daquela, Amélia. Amaro conhece, então, o cinismo dos seus colegas, que em nada estranham a sua relação com a jovem. Grávida, Amélia acaba por morrer no parto e Amaro entrega a criança a uma "tecedeira de anjos". Morta também a criança, Amaro, agora um cínico descarado, prossegue com a sua carreira. O romance, que critica violentamente a vida provinciana e o comportamento do clero, foi, durante décadas, leitura proibida em muitas escolas. A intenção de Eça ao escrever o Crime do Padre Amaro não era apenas a denúncia dos vícios do clero devasso, mas também apresentar a vida mesquinha duma cidade provinciana portuguesa. Assim, não só Amaro e Amélia, as personagens centrais são criticadas pelo narrador, também as personagens secundárias são utilizadas para revelar as mazelas da sociedade em que estão inseridas. O protagonista do romance é filho de dois criados do marquês de Alegros. Perde os pais ainda criança e é educado no meio da criadagem da marquesa, o que faz com se torne "enredador. Muito mentiroso." A marquesa decide que ele se tornaria padre, e assim, aos quinze anos, é mandado para o seminário. É fraco tanto a nível físico como a nível psicológico. Aceita o sacerdócio passivamente. Por influência do conde de Ribamar, obtém a paróquia de Leiria, hospedando-se na casa da S. Joaneira. Ali conhece Amélia, filha da sua hospedeira, que se torna sua amante. O ambiente da casa da marquesa, onde fora criado, e o seminário moldaram o carácter de Amaro. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, ao início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina, mas todas estas situações, somadas ao ambiente de servilismo beato da casa onde está hospedado, fazem com que se atole em acções desonrosas, como entregar o seu filho a uma "tecedeira de anjos", onde a criança acabaria por morrer. No final do romance, torna-se idêntico aos seus pares. Um diálogo entre Amaro e o cónego Dias, mostra, de forma clara, como Amaro e os outros eclesiásticos representam o clero, sem qualquer vocação e de forma hipócrita. Os dois reflectem sobre os excessos do comunismo, afirmam que seus seguidores merecem a masmorra e a forca porque não respeitam o clero e "destroem no povo a veneração pelo sacerdócio", caluniando a Igreja. Então, uma mulher provocante passa diante deles e ambos trocam olhares cúmplices. O cónego exclama: "- Hem, Padre Amaro?... Aquilo é que queria confessar" E Amaro responde: " - Já lá vai o tempo, padre-mestre - disse o pároco rindo - já as não confesso senão casadas!”.
A co-protagonista do romance concentra, na sua figura, o resultado trágico de uma formação num meio provinciano e atrasado, centrado em torno do poder eclesiástico. A sua casa é um beatério, centro de convivência dos poderosos e imorais sacerdotes da cidade, onde que impera a futilidade dos rituais e uma mutabilidade dos conceitos religiosos cristãos. Nesta sociedade, a Igreja é parte activa do poder político, que a utiliza nas suas manobras eleitoralistas e que lhe dá privilégios sociais, prestígio e poder. Amélia vive, portanto, rodeada de cónegos e padres. Aos 23 anos, alta, forte e "muito desejada", possui um temperamento sentimental, romântico e fortemente sensual. Órfã de pai, a sua mãe é amante do cónego Dias sendo uma devota simplória e passiva, atraída pelo ritual católico. Namora João Eduardo, escrivão de cartório. Conhece, então, o Padre Amaro, pároco da Sé de Leiria, hóspede na casa da sua mãe. Apaixona-se e entrega-se a ele com total submissão. Fica grávida e esconde-se numa quinta próxima da cidade, acompanhada por uma fanática beata, irmã do cónego Dias. Recebe então, a visita do abade Ferrão, único sacerdote decente do romance. Ele tenta recuperá-la para uma vida normal e digna e quer tirá-la da influência nefasta de Amaro. No entanto, Amélia morre no parto. O narrador do romance, na terceira pessoa, apresenta as personagens secundárias com grande dose de ironia e uma certa antipatia. Fica evidente a antipatia do narrador pelo círculo de amigos da S. Joaneira (Maria Assunção, Josefa Dias, Joaquina Gansoso e o beato homossexual Libaninho). O mesmo ocorre em relação aos colegas de Amaro (cónego Dias, padre Natário e padre Brito), pois o narrador parece convencido antecipadamente de seus vícios e indecências. O único religioso que é excluído deste círculo é o abade Ferrão, apresentado como uma personagem coerente com seus ideais. A ironia do narrador não é restrita aos religiosos, estendendo-se para o contexto social de Leiria. Outras personagens são apresentadas de forma sarcástica: o jornalista Agostinho Pinheiro; o venal Gouveia Ledesma, o burguês reaccionário Carlos. Neste ambiente, João Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções da jovem ao padre Amaro, escreve um artigo anónimo “Comunicado” na “Voz do Distrito”, criticando a convivência de padres com amantes. Rompe-se o noivado: Amélia torna-se amante do padre Amaro.
Escolhi este livro, como o livro da minha vida, porque é uma história inspirada no perfume de um romance proibido, na luta entre o bem e o mal, de valores, honra e a controvérsia da dignidade. Uma conjuntura idêntica à vivida por mim na minha infância e adolescência. Conseguiu transmitir-me que somos todos seres humanos e que devemos ser respeitados independentemente dos nossos ideais, costumes e cultura, porque se não o fizermos podemos magoar quem realmente amamos.

gms